quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ARTIGO INTERESSANTE...

CAPITAL HUMANO: UMA CONTRIBUIÇÃO

Carlos Ribeiro

O poeta Antonio Brasileiro declarou, certa vez, em depoimento ao projeto Com a palavra o escritor, sua perplexidade com o fato de dispormos, hoje, de produtos culturais de altíssima qualidade sem que haja, proporcionalmente, pessoas interessadas em usufruí-los.

Um alerta nesse sentido já havia sido dado por Paul Valéry, quando denunciava, já no início do século 20, “que o capital da nossa cultura está em perigo”. Esse capital, segundo ele, “é, em primeiro lugar, constituído por coisas, por objetos materiais – livros, quadros, instrumentos, etc., que têm a sua duração provável, a sua fragilidade, a sua precariedade de coisas”, mas também de “homens que dele tenham necessidade e que dele possam servir-se”.

Suprema ironia a de que essa carência (de “capital humano”) se aprofunde neste início do século 21, justamente no momento em que o inestimável patrimônio material é mais do que nunca disponibilizado, através da internet, de canais fechados de TV, locadoras, museus interativos e, às vezes, em bancas de revistas de qualquer esquina. Com a maior facilidade do mundo tem-se acesso a clássicos do cinema, da literatura, das artes plásticas sem muitas vezes sequer precisar sair de casa. Mas quantas pessoas, proporcionalmente ao número de habitantes da cidade, do estado, do país, do mundo, estão interessadas nisso?

Lembro-me de uma cena exemplar: um velho senhor aposentado assistia, numa tarde de domingo, ao programa do Sílvio Santos, e, nos poucos minutos do intervalo, zapeava, saltando de um canal para o outro, de filmes clássicos para musicais, documentários históricos e ecológicos, entrevistas, reportagens, até retornar ao programa do conhecido apresentador, onde estacionava com um profundo ar de satisfação.

Não julgo o velho senhor pelo seu gosto, afinal, ele tem todo o direito de assistir ao programa que mais lhe aprouver, mas a imagem não deixa de ser emblemática de um desperdício de possibilidades que, de uma forma ou de outra, nos é imposto. Talvez a atitude mais sábia seja a de não assistir nada; desligar a TV e ir olhar a lua. Mas, considerando-se que podemos assistir alguma coisa, penso na importância de iniciativas tomadas, aqui e ali, por grupos e instituições interessados em compartilhar esse valioso “capital humano”, referido pelo poeta francês.

Posso citar diversas iniciativas, de memória: o circuito alternativo das salas de arte; o Café Científico, promovido na LDM – Livraria Multicampi, nas primeiras segundas-feiras do mês; as Leituras Musicadas, às sextas-feiras, na livraria Tom do Saber, no Rio Vermelho.

Uma boa novidade, nesse sentido, foi a inauguração, no dia 26 de agosto, do projeto Obras-primas do cinema, com a exibição de Cidadão Kane, de Orson Welles. A programação, em DVD, com o filme projetado num telão, ocorre sempre às 20 horas, no Portela Café, localizado na Rua Itabuna, 304, no Rio Vermelho. O projeto prevê a exibição de filmes exponenciais da sétima arte, a exemplo de Morangos silvestres, de Ingmar Bergman, no dia 24 de setembro; Rastros de ódio, de John Ford, em 29 de outubro; Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, em 26 de novembro; Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica, em 17 de dezembro, e Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, em 28 de janeiro.

Os filmes são precedidos por uma breve explanação do crítico André Setaro e seguidos de um debate com o público presente. Com todos os requisitos, portanto, para a formação do cinéfilo, e uma modesta contribuição para a preservação desse valioso “capital humano” referido por Valèry.

Box

Os filmes exibidos no projeto Obras-primas do cinema podem ser encontrados nas videolocadoras Casa de Cinema (Shopping Rio Vermelho), GPW (Rua Território do Acre, Pituba) e Viddeo Hobby (Praça Nossa Senhora da Luz, Pituba), que dispõem de acervo de filmes de Arte e Clássicos.


sexta-feira, 21 de novembro de 2008

PRÓXIMA LEITURA - 26/11, às 20:00hs

ANIVERSÁRIO DE UM ANO!!!!
DIREÇÃO E ROTEIRO: Cristina Dantas
ATORES: Yumara Rodrigues e Harildo Déda
MÚSICO: Tuzé de Abreu
TEXTOS DE WILLIAM SHAKESPEARE:
Romeu e Julieta; Macbeth; Sonho de Uma Noite de Verão; Noite de Reis; Como gostais e Sonetos
SHOW NOVA HISTÓRIA COM MANUELA RODRIGUES

LEITURA DE OUTUBRO 2008

ATORES: HARILDO DÉDA E NEYDE MOURA
CANTORA: MANUELA RODRIGUES
TEMA: AMOR

"Verona, 13 de novembro de 1796

Já não te amo; ao contrário, detesto-te. És uma desgraçada, verdadeiramente perversa, verdadeiramente tola, uma verdadeira Cinderela. Nunca me escreves; não amas o teu marido; sabes quanto prazer tuas cartas dão a ele e ainda assim não podes sequer escrever-lhe meia dúzia de linhas, rabiscadas apressadamente. Que fazes então o dia todo, Madame?
Que negócio é assim tão importante que te rouba o tempo para escrever ao teu devotado amante? Que afeição abala e põe de lado o amor, o terno e constante amor que lhe prometeste? Quem será esse maravilhoso novo amante que te ocupa todos os momentos, tiraniza teus dias e te impede de dedicar qualquer atenção ao teu esposo? Cuidado, Josefina; alguma bela noite as portas se abrirão e eu seguirei.
Na verdade, meu amor, estou preocupado por não receber noticias tuas; escreve-me neste instante quatro páginas plenas daquelas palavras agradáveis que me enchem o coração de emoção e alegria. Espero poder em breve segurar-te em meus braços e cobrir-te com um milhão de beijos, candentes como o sol do equador.
Bonaparte"
(Napoleão Bonaparte, in Cartas do Coração: Uma antologia do Amor, org. Elisabeth Orsini)

LEITURA DE MARÇO 2008

ATORES: YUMARA RODRIGUES E DIOGO LOPES FILHO
VIOLONISTA: CLÁUDIO LUZ
TEMA: LOUCURA
"Vi-me afastada do centro de alguma coisa que não sei dar nome, nem por isso irei a sacristia, teófaga incestuosa, isso não, eu hillé também chamada por ehud, A Senhora D, eu nada, eu nome de ninguém, eu a procura da luz numa cegueira silenciosa. Derrelição Ehud me dizia, Derrelição - pela última vez Hille, Derrelição quer dizer desamparo, abandono.
Daqui por diante te chamo A senhora D, D de Derrelição, ouviu?
Desamparo, abandono, desde sempre a alma em vaziez (pausa), buscava nomes, tateava cantos, vincos, acariciava dobras, quem sabe se nos frisos, nas torçuras, nos visíveis cotidianos, um dia eu vou compreender, Ehud, compreender o quê?
Esses porquês!
Escute Senhora D, se ao invés desses tratos com o divino, desses luxos do pensamento, tú me fizesses um café, hen?
Agora que Ehud morreu vai ser mais difícil viver no vão da escada.
Quando Ehud morreu morreram também os peixes do pequeno aquário, então eu recortei dois peixes pardos de papel, estão comigo aqui no vão da escada, no aquário dentro d’agua, não os mesmos, a cada semana recorto novos peixes de papel pardo, não quero mais ver coisa muito viva, peixes lustrosos não, nem gerânios maçãs romãs, nem sumos, suculências...
Engolia o corpo de Deus a cada mês, engolia o corpo de Deus, devo continuar? engolia porque acreditava, mas nem por isso compreendia, olhava o porco-mundo e pensava: Aquele nada tem a ver com isso. Este aqui nada tem a ver com isso. Engolia fundo, salivosa lambendo e pedia: que eu possa compreender, só isso. Só isso Senhora D? Compreender o jogo brinquedo do menino louco, pensa um pouco, Hillé, pensa no sinistro lazer de uma criança louca, ou pensa em crianças brincando como gatinhos, como ratos, com tristes cadelas vadias, que sabemos nós das criancinhas?"
(A Obscena Senhora D de Hilda Hilst - 1982)
CADERNOS DE NIJNSKI
Gosto de música.Mas, não a música do intelecto. Música máquina. A música que tem sentimento é Deus. Gosto dos Músicos que dançam com os sentimentos.Eu danço com o sentimento.Conheço as artimanhas...
Escreverei a verdade.Eu sou o princípio.Eu sou a verdade.Eu sou a consciência.Eu sou o amor para todo mundo.Eu sou um bandido, pois mato a inteligência dura.Não quero saber de intelectualidade.Quero o razoável.Gosto das pessoas inteligentes, por isso não vou matá-las com revolver.Eu sou Deus.Eu não sou um revólver.Eu sou amor.Quero enviar uma carta ao doutor Frankel.Vou escrever essa carta neste caderno, e não em papel de carta:
Caro amigo Frankel.Eu o ofendi, mais não queria ofendê-lo, pois o amo.Eu lhe quero bem,por isso fingi estar loco.Queria que me sentisse.Não me sentiu, pois pensa que eu sou louco.Finjo estar nervoso para vc sentir que eu não estou nervoso.Eu sou um homem que finge.Eu sou a política de Cristo.Sou cristo.Não gosto de Zombarias.Eu não sou ridículo.Amo todo mundo, e amar todo mundo não é uma coisa ridícula.Eu o conheço.Você sente.Você não ama as coisas que são calmas, pois seus nervos são fracos.Meus nervos são sólidos.Não admito campanha de propaganda para extermínio das pessoas nervosas.Gosto de fogo que aquece.Sei que sem fogo não é possível aquecer, por isso peço a todos que me ajudem.Não é preciso organizar.Eu sou Deus.Quero o amor.Toda a coisa deve amadurecer.Não gosto de abcessos.Quero destruí-los.O abcesso é uma coisa horrível.Quando um abcesso estoura,dói e depois deixa um buraco de onde esconde o sangue.Agi mal para que o doutor me ajudasse.Não sou abcesso, sou amor.Conheço o perigo.Perecer é uma coisa horrível.Eu não quero me corrigir.Eu sou mau, pois quero o bem.Não tenho medo de nada.Tenho medo da razão.Quero a morte do intelecto.Minha mulher não ficará louca se matar seu intelecto.O doutor pensa que eu construo tudo sobre o sentimento, por isso pensa que eu sou desarrazoado.O Homem que contrói tudo sobre o sentimento não é horrível.Seus sentimentos são horríveis.Agora para finalizar escreverei versos que não estão prontos.Não gosto de preparar versos, por isso abandonei uns versos que não estava sentindo.Quero escrever versos.